Ponto de vista

Ponto de vista

Palavras-chave: conflitos, estresse ocupacional, organizações, terapia familiar, teoria sistêmica, trabalho.

Keywords: conflicts, occupational stress, organizations, family therapy, systems theory, work.

O texto que ora se apresenta tem como objetivo discutir sobre questões relacionadas à saúde do trabalhador e sobre os fatores que influenciam no seu processo de adoecimento, quando inseridos no âmbito organizacional. Tais processos serão aqui entendidos a partir da Teoria Sistêmica, visando à possibilidade da eleição da visão sistêmica na terapia quando do cuidado dos indivíduos adoecidos, apontando para isso, os principais conceitos do referido modo de se fazer terapia, a partir de um exemplo de adoecimento em determinada classe trabalhadora: o estresse ocupacional em policiais militares. Será apresentado sucintamente a Teoria Geral dos Sistemas de Bertalanffy e em seguida a visão da conformação sistêmica das organizações e dos conflitos que aí ocorrem. Continuando, será dada atenção à questão do significado do trabalho para o homem ocidental e como este contribui para o adoecimento do indivíduo e por fim, a partir da perspectiva do processo de retroalimentação, como o indivíduo adoecido (a partir do trabalho e emprego em organizações) contribui para o adoecimento da conformação social que o adoece.

A Teoria Geral dos Sistemas, a organização como um sistema aberto e o conflito nas organizações

Segundo a teoria dos sistemas, as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, que nenhuma das partes tem. Elas surgem das interações e relações entre as partes. Essas propriedades são destruídas quando o sistema é reduzido a elementos isolados. O todo é sempre maior que a soma de suas partes” (Schwartz & Nichols, 2007). Dessa forma, segundo Lodi (1970), a teoria dos sistemas compreende a interdependência que há na organização, por meio da relação das partes com o todo, assim os trabalhadores que integram as organizações devem também ser considerados partes importantes para o funcionamento da organização.

Conforme expõe Malhadas Junior (2010) o sistema percebido como um conjugado de elementos que dependem uns dos outros para que ambos funcionem adequadamente, pode ser visualizado por meio do seguinte esquema: “a) o todo possui qualidades que nenhuma das partes possui; b) as qualidades do todo se refletem em cada uma das partes; c) o que acontece com o todo influencia cada uma das partes; d) o que acontece com cada parte influencia o todo e as outras partes; e) cada uma das partes reflete o todo e todas as interações” (Bertalanffy, 2008; apud Malhadas Junior, 2010).

Vista a inter-relação que há nos sistemas ao avaliar o que acontece com uma família ou organização, é possível observar a necessidade de considerar todas as influências que ocorrem no sistema. Sarat (1996; apud Malhadas Junior, 2010) ratifica esse conceito de rede de influências ao afirmar que não é possível resolver os conflitos sem que se compreendam e identifiquem todos os aspectos envolvidos nesse sistema.

A partir do conceito da teoria geral de sistemas é possível entender também o conceito de subsistemas já que “(...) todo sistema é um subsistema de um sistema maior (...). (...) Os organismos vivos são ativos e criativos. Eles trabalham para manter sua organização, mas não são motivados unicamente para preservar o status quo” (Schwartz & Nichols, 2007).

Os conceitos da sistêmica expostos alcançam as organizações, visto que, conforme exposto por Malhadas Junior (2010), a organização possui características próprias que seus integrantes individualmente não possuem, essas características da organização influenciam a forma de seus integrantes agirem, algo que ocorre com a organização consequentemente irá afetar cada um dos integrantes, assim como algo que ocorre apenas com um integrante irá afetar a organização e os demais integrantes de alguma forma, por fim, cada um dos participantes da organização possui características que se referem à organização.

Visto esse emaranhado que é a organização como um sistema, que possui subsistemas que se relacionam entre si, onde os seus integrantes, trabalhadores dos diversos setores, e a organização influenciam-se por serem inter-relacionados, é possível compreender o processo saúde-doença dos integrantes de uma organização, já que só é possível haver intervenção bem-sucedida nesse processo quando se entendem e verificam todos os processos de influências que ali estão envolvidos.

As organizações vistas como sistemas abertos, conforme Bertalanffy (2008) apud Malhadas Junior (2010), além de possuírem valores, crenças, símbolos e ritos próprios (formando assim uma cultura organizacional particular) operam dentro de um sistema, maior, também com crenças, ritos, símbolos e linguagem naturalmente distintas.

De acordo com Katz e Kahn (1977; apud Motta, 1971) uma organização é um sistema aberto que apresenta as seguintes características: importação, processamento e exportação de energia; ciclos de eventos; entropia negativa; informação como insumo, controle por retroalimentação e processo de codificação; estado estável e homeostase dinâmica; diferenciação e, equifinalidade.

A importação, processamento e exportação de energia numa organização ocorrem a partir do recebimento de insumos do ambiente (matérias-primas, mão-de-obra, dentre outros), da transformação destes em produtos (produtos acabados, mão-de-obra treinada etc.) e da exportação desses produtos para o ambiente num movimento cíclico, que além de manter o estado estável e homeostático dinâmico da organização (e conferir mesmo seu caráter organizacional), serve para identificar sua estrutura organizacional a partir da cadeia de eventos (ciclos) que ocorrem desde a importação até o retorno da energia (Motta, 1971).

Para manter-se viva, a organização necessita trocar energias com o ambiente do qual faz parte. Para isso, faz uso da entropia negativa que é o processo que permite à organização, através da reposição qualitativa da energia, resistir aos efeitos da homogeneização que ocorre no ciclo de importação e exportação de energia, que, com o tempo causa a sua autodestruição.  Assim, a organização multiplica funções e papéis internos, o que culmina num processo de diferenciação.  A diferenciação é que permite que, no processo de entropia negativa, a manutenção da organização (Motta, 1971).

A informação como insumo refere-se às informações que chegam à organização acerca do ambiente sobre o qual ela atua e sobre seu próprio funcionamento organizacional em relação a este ambiente; para garantir que ela receba apenas as informações para as quais está preparada, ocorre o processo de decodificação e a correção dos desvios pelo processo de retroalimentação, sendo este mais um fator contribuinte com a entropia negativa da organização. Por fim a equifinalidade nos aponta que não existe uma maneira certa ou única de a organização atingir um estado estável, que pode ser atingido através de condições iniciais e meios distintos em cada organização (Motta, 1971).

Ainda conforme a teoria geral dos sistemas de Bertalanffy (2008) apud Malhadas Junior (2010) o homem também compreende um sistema, e por sua vez está inserido tanto na cultura organizacional, quanto na cultura do ambiente onde os dois, a organização e o homem, estão inseridos. Nisto, os efeitos que a cultura da organização, os da cultura do ambiente e do próprio sujeito se chocam, dando origens a conflitos de variadas naturezas, pode ser, por exemplo, entre a organização e o ambiente, entre organizações, entre a organização e o indivíduo que dela faz parte, etc.

O vínculo com a organização pressupõe um processo de permuta: tanto as organizações quanto seus colaboradores ofertam contribuições e criam expectativas quanto aos retornos. Dessa forma, os empregados executam atividades laborais visando contribuir com a consecução dos objetivos da organização e espera que a mesma possa “satisfazer suas necessidades pessoais, familiares e profissionais” (Siqueira & Júnior, 2004), o que nem sempre ocorre, ocasionando o aparecimento de conflitos.

De acordo Malhadas Junior (2010), subjacente a todo conflito está à ideia de mudança ou a perspectiva de que ela venha a ocorrer, o mesmo acontecendo no cotidiano das organizações onde a presença da tensão e do conflito são características essenciais para o conhecimento da cultura da organização (Luthans, Rubach & Marsnik, 1995 apud Malhadas Junior, 2010).

O conflito organizacional mais facilmente perceptível se dá na relação entre empregados e empregador. Os primeiros são bombardeados constantemente por informações que incitam a busca por melhorias nas condições de trabalho, salários, etc, por exemplo. Desse modo, conforme Fiorelli et al. (2008) apud Malhadas Junior (2010), as causas e consequências dos conflitos, ao serem buscadas e estudas na perspectiva de resolução, devem considerar sistemas vizinhos e subsistemas num processo de entendimento principalmente do choque que ocorre entre as diferentes culturas de cada sistema ou subsistema, quer sejam setores da organização, os trabalhadores, ou ainda o ambiente externo à organização.

Neste processo de conflitos culturais na organização, que se dão a partir de um conjunto de variáveis, não é incomum que o trabalhador subordinado, sofra os efeitos negativos, podendo assim vir a adoecer.

Segundo Fishman (1998) apud Malhadas Junior (2010) as transformações sociais e econômicas “tem-se associado às tensões nas famílias, tornando mais difícil a convivência entre as pessoas”. Isso nos permite entender que os conflitos organizacionais acabam por transpor toda e qualquer barreira simbólica ou física e é levado através do indivíduo para todos os ambientes que este frequenta, sendo a família, o sistema que mais sofre com as questões que este fenômeno possa suscitar.

Os sistemas ‘sociedade e organização’ a partir do trabalho como organizador do homem social e também como um fator de adoecimento

Conforme já foi dito, a organização é um sistema composto por subsistemas, que se conformam, por sua vez, como sistemas em si mesmo, se analisados um por um, onde o trabalhador inserido nestes subsistemas também conforma um sistema. A organização por seu turno está inserida num outro sistema, que pode ser imediato (em termos geográficos [de localização]) ou mais amplo, pensado a rede de organizações que esta tem de acessar para se manter, ou em última análise a sociedade como um todo, que conforma um grande sistema simbólico, estrutural e funcional, com suas regras de manutenção, de auto-regulação.

Diante disso, trataremos a seguir da questão do trabalho como um organizador social (em termos da coletividade) e individual, onde destacaremos alguns aspectos de significados a ele atribuídos pelo trabalhador e seus efeitos no processo de saúde-doença vinculado às organizações na perspectiva da relação entre sistemas.

Segundo Sorj (2000) apud Oliveira (2004) o trabalho, na pluralidade de formas, que tem assumido, continua a ser um dos mais importantes determinantes das condições de vida das pessoas visto que a maioria dos indivíduos continua a depender da venda do seu tempo e de suas habilidades de trabalho no mercado para garantir o sustento. Para esse autor o trabalho tem invadido de tal forma as diferentes esferas da vida, que temos hoje, grandes dificuldades em estabelecer as fronteiras que separam o âmbito do trabalho do não trabalho. Trata-se assim, de uma instância da vida humana que, de uma forma ou de outra, indiferente da posição que se ocupa no mundo do trabalho (se empregado, empregador ou desempregado etc.), determina a organização da sociedade, sobretudo da sociedade capitalista, estabelecendo modos de relações humanas diárias.

Alguns autores como Gorz (1982) apud Oliveira (2004) afirmam a perda da centralidade do trabalho e da tendência ao fim do emprego, contudo, de posse da estruturação da sociedade em classes sociais ainda fortemente demarcadas, percebemos que principalmente nas classes menos favorecidas o trabalho figura como fator central possibilitador de melhorias nas condições de vida, da ascensão social e, mesmo da própria estruturação familiar, que hoje vem perdendo o caráter patriarcal, mas que continua tendo como figura central a pessoa que trabalha e sustenta a família.

Para Marx (1987) apud Oliveira (2004) “o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação, impulsiona, regula e controla seu intercâmbio material com a natureza humana. Atuando assim sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo em que modifica sua própria natureza”. De acordo com Patto (1997)

 

[...] nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, o conceito de alienação explica a natureza da atividade produtiva, da relação do trabalhador com os produtos do seu trabalho e de uma lógica perversa na qual "o homem (o trabalhador) só se sente livremente ativo em suas funções animais - comer, beber e procriar, ou no máximo também em sua casa e no embelezamento dela -, enquanto em suas funções humanas se reduz a um animal”. (grifo do autor).

 

Dessa forma, o trabalho que funciona como organizador da vida humana pode assumir o papel contrário, o de desorganizador, quer seja pelo estresse físico e mental advindo das relações estabelecidas entre o trabalho, o trabalhador e a organização da qual faz parte, quer seja pela falta de trabalho.

As principais questões de saúde relacionadas ao trabalho atualmente, dizem respeito às condições ainda precárias de trabalho às quais muitos trabalhadores ainda são submetidos, principalmente os ligados às grandes organizações (indústrias e fábricas) e mesmo os informais, podendo-se destacar as instalações físicas, a jornada de trabalho, a instabilidade no trabalho, ausência de planos de carreira, cargos e salários, a periculosidade, a insalubridade e a não garantia de direitos previstos em lei.

As condições citadas anteriormente, aliadas em grande parte à falta de relações interpessoais sadias entre chefes e subordinados e mesmo entre trabalhadores de funções equivalentes, configuram outro agravante não menos importante que a infração das leis trabalhistas e condições operacionais inadequadas de trabalho para o adoecimento do trabalhador. Ainda a observação de tais condições pode revelar graus diferenciados de comprometimento com o trabalho que se exerce.

Segundo Lazarus e Folkman (1984) apud Paschoal e Tamayo (2004), a simples presença de eventos que podem se constituir como estressores em determinado contexto, no qual o indivíduo esteja inserido, não caracteriza um fenômeno de estresse. Para que isto ocorra, é necessário que o indivíduo perceba e avalie os eventos como estressores, o que quer dizer que fatores cognitivos têm um papel central no processo que ocorre entre os estímulos potencialmente estressores e as respostas do indivíduo a eles.

Para Paschoal e Tamayo (2005), o estresse ocupacional pode ser definido basicamente com ênfase nos fatores do trabalho que excedem a capacidade de enfrentamento do indivíduo (estressores organizacionais) ou nas respostas fisiológicas, psicológicas e comportamentais dos indivíduos aos estressores (Jones & Kinman, 2001 apud Paschoal & Tamayo, 2005). Assim, o estresse ocupacional tem sido tratado como um processo concebido por estressores e respostas e como um conceito relacional, o qual enfoca a relação entre o ambiente de trabalho e o sujeito (Lazarus 1995; Edwards, 1992; Edwards & Cooper, 1990 apud Paschoal & Tamayo, 2005).

Em relação às variáveis que influenciam no estresse ocupacional Paschoal e Tamayo (2005) fazem referência aos estressores organizacionais de natureza física e psicossocial, o primeiro tendo como exemplo o barulho, a ventilação e iluminação do local de trabalho, e o segundo estando baseado nos papéis desempenhados pelo trabalhador, nos fatores intrínsecos ao trabalho, nos aspectos do relacionamento interpessoal no trabalho, na autonomia/controle no trabalho e nos fatores relacionados ao desenvolvimento da carreira.

A organização Polícia Militar, um exemplo de instituição onde o cotidiano dos policiais favorece o adoecimento

A profissão de policial militar apresenta-se como uma das mais estressantes e isso se deve a fatores que dizem da maneira como a instituição se configura, mormente burocrática e extremamente hierarquizada num modelo de organização da PM (Polícia Militar) que ainda continua idêntico ao do exército numa forma de estruturação adequada para combates de guerra. Até a década de 1960, a PM tinha como especificidade a manutenção da ordem pública e a integridade territorial do Estado. Por volta de 1968, incorporou a exclusividade do policiamento ostensivo fardado, com o objetivo de promover a proteção coletiva. Mesmo tendo adicionado essa nova atribuição, a PM ainda mantém praticamente inalterado o modelo organizacional vigente (Sette Câmara, 2002 apud Silva & Vieira, 2008).

Conforme Silva e Vieira (2008) frequentemente, a atividade da polícia militar é considerada como “desumana” por parte dos próprios profissionais. Eles chegam a admitir que, para exercê-la, é preciso ser um “robocop”, ou seja, uma máquina cujas capacidades humanas devem ser subtraídas. Nesse sentido, é importante considerar algumas determinações que podem estar na origem dessa concepção, sendo que a principal delas é a própria formação dos policiais.

A precarização das condições de trabalho na PM pode ser proveniente dos equipamentos e instrumentos inadequados, da restrição de recursos orçamentários para a manutenção desses equipamentos, dos salários desproporcionais e da falta de capacitação profissional. Esses fatores acabam configurando um quadro desfavorável tanto para a eficiência do trabalho policial, quanto para a própria saúde dos PMs.

É possível problematizar a existência de percepções que contestam a relação de troca estabelecida com a Instituição Militar. As ações desenvolvidas pelos policias soam como incompatíveis frente aos retornos e suportes ofertados pela Corporação Militar. Vínculos saudáveis no ambiente organizacional são compreendidos como um fator favorável para a existência de indivíduos satisfeitos com o trabalho (Siqueira & Júnior, 2004).

A categoria policial está sempre lidando com situações que envolvem suas emoções, emoções desagradáveis, como o medo, a angústia, a tristeza, o desespero, a impotência, ao defrontar com situações de riscos à sua própria vida e à vida do outro, visto que de posse da função que desempenham, os policiais estão sempre correndo perigo de ser mortos, quer seja no serviço quer seja fora dele, no horário de lazer, por exemplo. Lidam sempre com vidas de pessoas que estão correndo riscos, como em assaltos, sequestros, acidentes. A profissão do policial é considerada uma das mais prejudiciais à saúde, por enfrentarem jornadas excessivas de trabalho, ficarem muito tempo em pé, às vezes expostos a temperaturas elevadas, arriscarem as suas vidas, serem desvalorizados no desempenho do ofício, desrespeitados na sua individualidade, receber baixos salários e pelas dificuldades concernentes ao plano de carreira e salários.

O nível de estresse entre a categoria dos policiais é muito elevado, por sempre estarem em contato com situações de risco. As condições insalubres de trabalho, a falta de reconhecimento, os baixos salários que impedem a categoria ter momentos de lazer, provocam nos policiais sintomas como cansaço, desânimo, dores no corpo, tristeza.

Para Paschoal e Tamayo (2005) o estresse ocupacional pode ser definido basicamente com ênfase nos fatores do trabalho que excedem a capacidade de enfrentamento do indivíduo (estressores organizacionais) ou nas respostas fisiológicas, psicológicas e comportamentais dos indivíduos aos estressores (Jones & Kinman, 2001 apud Paschoal & Tamayo, 2005). Assim, o estresse ocupacional tem sido tratado como um processo concebido por estressores e respostas e como um conceito relacional, o qual enfoca a relação entre o ambiente de trabalho e o sujeito (Lazarus 1995; Edwards, 1992; Edwards & Cooper, 1990 apud Paschoal & Tamayo, 2005).

Considerando o exposto até o momento, no que se refere às conformações sistêmicas do trabalhador, da organização da qual este faz parte, da inserção dessa organização num sistema maior, qual seja a sociedade e suas regas de funcionamento (claras ou não), o significado do trabalho para a vida humana e a própria conformação social, e nisto os processos de adoecimento que esse emaranhado ou superposição de sistemas pode acarretar, conforme o exemplo que apresentamos (o estresse ocupacional em policiais militares), e conforme o que nos expõem Fishman (1998) apud Malhadas Junior (2010) acerca de uma espécie de isomorfismo disfuncional nos grupos transitados pelo indivíduo adoecido, faz-se imperioso pensar quais seriam os mecanismos de tratamento desse trabalhador.

Foi eleito aqui, por conta de toda a compreensão sistêmica adotada neste trabalho, e pelos pressupostos que a Terapia Familiar Sistêmica (TFS) apresenta quando da lida com os fenômenos de “desestruturação dos sistemas humanos” e seu tratamento, esta teoria como a mais adequada, tendo em vista ser a família o sistema mais imediatamente atingido pela desestruturação funcional causada pelo estresse em policiais. Isto porque toda ela, numa situação de ameaça de morte, por exemplo, tem que mudar sua rotina e viver sob alerta todo o tempo. Nisto, a compreensão que norteia a escolha da TFS é a de que, embora a organização ofereça subsídios para que o empregado lide com as questões do adoecimento (tendo ele já se instalado ou não), a família geralmente não tem acesso a esses processos de terapia via organização.

Ainda porque, no processo de tratamento de um problema que atinge todo o sistema familiar, todos os seus membros devem ser envolvidos, visto que uma leve mudança num desses membros influencia toda a família, sendo o contrário também verdadeiro, sendo que “a premissa fundamental da terapia familiar é que as pessoas são produtos de seu contexto” (Schwartz & Nichols, 2007).

Caracteres psicológicos nocivos, vulnerabilidade psicológica, e acontecimentos negativos observados nos artigos pesquisados levam a entender que existem muitas situações de stress nos ambientes de trabalho, principalmente nas grandes organizações, instituições públicas ou privadas.

Pensando nessa realidade foi visto à importância da inserção de psicólogos nas organizações, pois essa atuação interna, na investigação do cotidiano desses trabalhadores, poderia diminuir o nível de instabilidade, assim como o grau de stress causado pelo trabalho pesado e perigoso que muitos vivenciam.

Foi observado que a ausência de programas de intervenção capaz de fomentar o bem-estar e a qualidade de vida (solidificando o que há de melhor) ou de iniciativas que possam minorar ou eliminar os problemas existentes é apreendido pelos artigos pesquisados como uma fonte potencializada de estresse no trabalho.

Através das leituras realizadas, pode ser entendido que vários policiais trabalham para manter sua organização, mas, no entanto, os mesmos acabam não sendo motivados para preservar o “status quo” (Schwartz & Nichols, 2007).

O psicólogo teria que vislumbrar como estaria o stress em cada setor da instituição maior e a partir desse monitoramento, fazer uma espécie de investigação dos sintomas relatados com maior frequência por esses profissionais, para que então pudesse ter a melhor forma de buscar auxílio teórico-prático, considerando a sua base teórica da psicologia sistêmica.

Como para Lodi (1970) a teoria dos sistemas compreende a interdependência que há na organização, então é por meio da relação das partes com o todo, que os trabalhadores integram as organizações e essas devem também ser consideradas como partes importantes para o funcionamento da organização. Dessa maneira, cada sintoma, cada fala ou cada problema no trabalho observado e dito pelos policiais deve ser valorizado pelo psicólogo, pois na terapia, todos esses assuntos precisarão vir à tona.

O profissional psicólogo precisa considerar todo o contexto que os profissionais estão envolvidos (compreender e identificar os aspectos envolvidos nesse sistema). Segundo Sarat (1996) apud Malhadas Junior (2010), é importante considerar toda a rede de influências, pois do contrário não será possível resolver todos os conflitos existentes tendo em vista a causalidade circular sugerir que os problemas são sustentados por uma série contínua de ações e reações (Schwartz & Nichols, 2007). Assim, num trabalho de terapia familiar demando por um sistema familiar onde a queixa principal venha relacionada a questões laborais de um dos seus membros não pode restringir-se a isso.

Autores: Geovana Santos Ferreira
Citação: Ferreira, G.S. 2022. Teoria Sistêmica e Organizações: um olhar sobre adoecimento e saúde do trabalhador numa perspectiva da Terapia Familiar Sistêmica. Pubsaúde, 11, a380. DOI: https://dx.doi.org/10.31533/pubsaude11.a380
Editor: Pubsaúde.
Recebido: 5 ago. 2022; Revisado e aceito: 23 out. 2022; Publicado:  23 out. 2022
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